Friday, September 08, 2006

Smoking Ring

Um prolongamento da vida. Pensou enquanto bebia um vinho suave barato num copo de extrato de tomate. – Vou tomar banho! – disse ela. Parou por um momento, mas seus sentidos tonteavam o seu corpo. Num balançar nervoso levantou-se do sofá. Foi em direção ao televisor, pegou o maço de cigarros. Ah! Acendeu um. O tempo corria lentamente. Delicada, a fumaça dançava rumo ao teto com curvas sensuais que se espalhavam, o olor de hortelã do tabaco evocou-lhe lembranças.
Por quê? – uma lágrima. - Por quê? Não sabia qual resposta buscava. Com os olhos fechados sorveu mais um gole. O barulho do chuveiro. O barulho da chuva num dia quando tinha dezessete anos. A calça jeans molhada arranhava seus joelhos e o algodão do uniforme escolar colava em seu peito magro de pele e ossos. Corria. A casa de portão azul estava perto. Os pingos da água gritavam em uníssono: Vamos! Corra! – não existiam pensamentos, só velocidade e instinto. Quase tropeçara num paralelepípedo solto.
Ali estava, logo à sua frente. Sua corrida terminava. O coração, como nunca, começara uma batida desenfreada, os nervos trepidaram seus braços. Mas que droga, agora que chegara não podia desistir! Bateu à porta, chamou pela menina.
A camisola, um pequeno tecido branco e brilhoso, cobria e descobria, o que a ele era a lenha de uma existência febril. Ao abrir a boca, explodira tudo o que tinha escrito secretamente, que tinha desejado em sonhos acordados. As palavras sob a torrente da chuva eram estilhaços de sua súbita declaração.
Ela, estática, escutava os não contidos clamores. Seus pés pequenos, raízes presas no chão. De repente vergara seu caule-corpo, seus galhos-braços abriam-se e sua copa-boca verde-carmim roçava os seus lábios. Tremenda primavera infinita sob a chuva.
Até mesmo agora, nesse presente triste, a emoção e a incredulidade de tal felicidade ter-lhe acontecido naquela tarde de janeiro embriagava-lhe mais que o vinho. Aquela que estava ao banho era outra mulher. Esta realidade entristecera-o, por que não era a sua primeira paixão primaveril? À tona de sua memória vieram vestígios de momentos ruins. Instantes de brigas e discussões. Mas que merda! Nada era perfeito. Ligou o som, Claire de Lune. Fechou os olhos cansados e tentou evocar, em vão, aquela chuva novamente. O chuveiro foi desligado e a flor daquele beijo, percebeu, morrera há trinta anos e seu perfume póstumo dissipou-se nos anéis de fumaça do último cigarro.

Wesley Dourado Cordeiro

6 Comments:

At 2:47 PM, Anonymous Anonymous said...

GOstei do texto.

Muito bom Léo !!

 
At 3:18 PM, Anonymous Anonymous said...

Valeu, Brou!

 
At 10:46 PM, Anonymous Anonymous said...

Grande Pelvis !
Massa seu texto !!! Legal pacas, demais mesmo !!! Hum, bastante parecido com nossas situações, com a realidade tão nossa, né ?!
Abraços !!!

 
At 4:50 PM, Anonymous Anonymous said...

Falou, Mateus, afinal a matéria-bruta para a ficção é a realidade, não?

 
At 8:40 PM, Anonymous Anonymous said...

wesley,
gostei muto do seu conto... interessante como vc conseguiu trazer a tona uma sensação que todos nós sentimos... pelo que consegui compreender do que vc escreveu, esta sensação é a saudade de bons tempos idos, de velhos amores ... o amor e a paixão que morrem com o passar do tempo e com a convivência...
as descrições foram perfeitas, minunciosas... bem bacana!!
amei o título!!! mas sobre isso

 
At 6:09 PM, Anonymous Anonymous said...

Eu sei a verdade!!!

 

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