Monday, October 30, 2006

Plateau

Tum tum tum batia o coração desenfreadamente, fora do ritmo em socos por dentro da caixa torácica, não devia ter fumado tanto, pensou enquanto acendia um Carlton, não era hipocrisia, estava tornando-se necessidade, no primeiro trago o prazer neblinou seu nervosismo, podia pensar um pouco mais sobre o que faria, talvez o pensar só lhe atrasaria, ou impediria a sua catarse confessional, o cigarro estava pela metade, o tempo, obviamente passava, queimava o tabaco e esgotava os seus nervos.

Os primeiros acordes de Plateau ressoavam em sua mente, angústia, quereria morrer se não tivesse tantas dúvidas sobre uma vida póstuma, outro cigarro, talvez não tivesse tanto medo da morte, empilhava carta por carta num castelo até uma provável velhice e baforava-no sempre um pouquinho, de tempos em tempos, o fôlego tremia os ases e valetes, mas o castelo ainda demoraria a ruir, os braços sob leve torpor e tensão pesavam pendentes em seus ombros caídos e a música mental continuava em loop chegando ao seu fim inúmeras vezes, dentro e fora, fervor e terror, começou a bater os pés, percussão corporal, talvez pudesse ambientar-se com os outros, as pessoas sentadas no bar, esperava-la, cinco minutos não eram grandes coisas.

Mas meia carteira e vinte e três minutos eram, não estava certo sentar-se por tanto tempo e não beber nada, um drinque seria bom e barato, vodca e refrigerante de limão, coisa de fresco, mas já não estava em condição de julgar qualquer ato que fosse, bêbado?, não, nem bêbera um gole, deveras embriagado, o tempo e o cigarro-minuto consumiam-no, o tronco ereto na cadeira era uma casaca vazia com dois furos no lugar de olhos, só espera, espera, demora, espera e demora, demora e espera, tempo, tempo.

O que aconteceria na novela das oito?, estava devaneando, sonhou e em certos momentos curtos esquecera onde estava e para quê estava, na terceira dose, um véu opaco balançava-se sobre sua cabeça, os móveis despertaram de seu sono de madeira, faziam joça de sua cara, fingindo estarem em movimento para enganá-lo, não cairia em brincadeiras tão bobas, os móveis não se mexiam por mais talentosos que fossem, como o caso desta mesa que suspendia sua carteira e seu aparelho de celular, será que Maria assistia a televisão?, não tinha certeza de nada, ora, será que ela sabe quem são os infernais vilões das novelas?, será que ela viria?

Ela é tão bonita, tão..., tão o quê, deus do céu?, mas o que ia dizer mesmo?, não há mais certeza, ou há?, garçom, traga mais um vodca de copo com Sprite, quer dizer copo de vodca, você sabe..., o quê? O quê?, não, ainda não vou embora e nem parar de beber, ainda está cedo, que horas são?!, e por acaso sou relógio?, três da manhã?, você tem certeza?, ela não vem, ela não veio, sai-me uma saideira, depois eu vou, e vou esperar mais um pouco, alguma coisa pode ter acontecido.

Está tão frio o ar, queria conversar com alguém, queria beijá-la, queria ir para casa, queria querer parar de fumar, o céu noturno e profundo dá tanto sono, e esse vento dá arrepios, minha vida era um palco iluminado e eu me vestia de dourado, fecha a porra do vidro desse carro que quem está pagando o táxi sou eu, você é só um motorista, sem querer ofender, mas eu sou mais, fui mais, hoje sou um babaquíssimo que levou a porra de um bolo de merda, ainda tenho que pagar a conta, pode?, tenho, tenho o dinheiro, fica tranqüilo, desce a direita, segue, é o terceiro do lado de cá, fica com o troco.

Fica com o troco, que eu fico com sono... ... ....

Clic.


Wesley de C.D.C.

4 Comments:

At 11:20 PM, Anonymous Anonymous said...

Esse foi o primeiro que eu li e posso dizer que estou impressionada!
Nao que eu nao esperasse, mas é que realmente me agradou....continue assim..hic hic hic....
kkk
BJ
Patricia, sua pró.

 
At 7:21 PM, Anonymous Anonymous said...

gostei muito do conto... a eterna espera por alguém que não vem parace semelhante às nossa esperas na vida... sentamos e esperamos, ciamos expectativas com coisas que no fundo sabemos que não acontecem.... pagamos a conta dos devaneios e das mentiras embriagantes....não temos coragem de sair, buscar outras opções e deixar de apenas esperar pelo que virá..... que viajem que eu fiz, meu brother snipes!!!
aff!!!
hehehe
lido e comentadíssimo!!

 
At 10:38 PM, Anonymous Anonymous said...

Se é de meu amigo Wesley, é bom !!!!
Legal o conto, ao qual revelo: fui o primeiro a lê-lo, assim q saiu do forno. Q honra, não ?!
Agora é ingratidão:pô, vcs não visitam minha página !!!
Entram lá:www.oborrão.weblogger.terra.com.br
Abraços !!!

 
At 12:26 PM, Anonymous Anonymous said...

"o tempo e o cigarro-minuto consumiam-no, o tronco ereto na cadeira era uma casaca vazia com dois furos no lugar de olhos, só espera, espera, demora, espera e demora, demora e espera, tempo, tempo." e "Fica com o troco, que eu fico com sono... ... ....

Clic."

É por essas e outras que Zetético merece um link lá no meu blog.

Abraços.

 

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